quinta-feira, 29 de janeiro de 2015



Quem pensa que está fora do amor entra. Quem pensa que está dentro sai. Ele engana sua força. Sobrepõe a memória dos sentimentos na memória dos fatos. É procurar cabelos para completar as mãos, é procurar o que não se viveu para contar. É esperar o sol aquecer o lado ileso da cama. É não apagar direito a ausência, a letra, o cheiro. É insistir com respostas sem as perguntas. É podar o arbusto de água. É pão ruivo antes do mel. É idioma acumulado nas calhas. Não há descrição fiel que o possa explicar. Adiar o amor ainda é cumpri-lo. Fingir que não se sente é exercê-lo. Desdenhar é elogiar. Ofender é trocar palavras. Odiar é desesperar o atraso. O amor devora os sobreviventes. Não lembra do pente, da navalha, da tesoura de unhas, do jornal, do abajur. O amor não lembra do que precisa. Amor é não precisar de nada. É precisar do que acontece depois do nada, ainda que não aconteça. A fraqueza é força física. O endereço é genealogia. O amor confunde para se chegar ao mistério. Embaralha para não se ouvir. Perde-se no próprio amor a capacidade de amar. Quanto mais violento o primeiro amor, mais difícil será o segundo amor. Quanto mais violento o último amor, mais calmo é o primeiro amor. As frutas postas na mesa não estão à espera da fome, ainda estão à espera da árvore. A fome é uma árvore que cresce deitada e arranca o telhado do corpo. Amor é comer a fruta do chão. O chão da fruta. O amor queima os papéis, os compromissos, os telefones onde havia nomes. O amor não se demora em versos, se demora no assobio do que poderia ser um verso. O amor é uma amizade que não foi compreendida, uma lealdade que foi quebrada; o amor é um desencontro por dentro.
Então você está confusa com seus sentimentos. Ele apareceu tão de repente na sua vida, com aquele brilho manso no olhar, com aquela meiguice na voz, sem pedir coisa alguma, meio como um Pequeno Príncipe caído de um asteróide. A princípio você nada percebeu de diferente. O susto veio quando você se lembrou das palavras da raposa, explicando ao Pequeno Príncipe o que era ficar cativo: É assim. A princípio você senta lá e eu aqui. Depois a gente vai ficando cada vez mais perto. Os passos de todos os homens me fazem entrar dentro da minha toca. Mas os seus passos me fazem sair. E, depois, é a alegria. Começo a ficar alegre e a me preparar na segunda-feira, sabendo que você só virá na sexta.